Muita coisa muda desde o teste positivo, mas não é do dia para a noite e nem é óbvio e objetivo como uma mudança de casa ou de trabalho.
A mudança é lenta e gradual.
Homens tem velocidades e momentos diferentes de perceber e se perceber como pai. Talvez alguns desde sempre já se vejam assim, outros já na gestação, outros tantos ao nascer. Ou, como no meu caso, bem depois de ter o bebê no colo.
O vídeo a seguir retrata com humor o processo de nascimento de um pai:
Esse vídeo conta de forma humorada como seria o nascimento de um pai. Mas o vídeo acaba no nascimento do filho, falta a continuidade.
“Na trigésima semana, as pálpebras do papai se abrem, quase que por reflexo, mas ele ainda não enxerga”.
Quando o pai irá enxergar?
Em que momento nasce um pai?
Minha visão: Quando ele aceita a nova identidade.
Para a mulher imagino que seja diferente pois envolve hormônios e o próprio corpo. Imagino que seja muito mais abrupto e visceral.
Para nós homens os sinais da mudança vem de fora, mas para ela acontecer precisa vir de dentro.
Por que o pai nasce quando aceita?
A certidão de nascimento do bebê com meu nome ou meu filho no colo não foi o que me tornou pai - ao menos não o que eu me orgulho de ser hoje.
Aceitar, segundo o dicionário é:
consentir em receber (o que é dado ou oferecido).
estar de acordo ou conformar-se com.
Por óbvio eu estava de acordo, mas não sabia ainda o que seria. Havia aceitado o acordo, mas havia cláusulas miúdas que eu não tinha lido:
“Deverá abrir mão do video game, dos filmes na Netflix e dos livros que gosta de ler. Precisará rever sua rotina de exercícios e terá dificuldades em ter tempo com sua esposa. O futebol de segunda ficará em segundo plano até segunda ordem, e não poderá mais beber como de costume. Precisará se afastar dos amigos de quinta-feira. Jantar romântico a dois será tarefa para daqui há dois anos, duas vezes por mês (…)”.
Parece “perrengue chique” e problema de gente privilegiada, não é sobre isso. Cada um talvez sinta ou perceba de um jeito. O ponto é que essas mudanças apenas carregam algo mais profundo, que está nas entrelinhas. A paternidade carrega consigo uma mudança de identidade. Isso envolve dar adeus ao seu eu antigo e vestir a nova armadura para uma batalha mais difícil e que requer maior disposição.
Meu propósito aqui é expor essas letras miúdas, para que você entenda que não é apenas uma mudança momentânea de rotina - você deve aceitar que seu eu antigo morreu.
A parte boa é que depois de aceitar a vida para mim ficou muito melhor. Mas demorei bastante a “cair essa ficha”.
Vou contar como foi para mim.
A vontade de ser pai nunca foi presente. Não era ausente também, apenas não pensava nisso.
A consciência para o tema emergiu de forma natural após muitos anos de relacionamento com a Julia, então namorada há 10 anos. Estávamos em um momento bom no relacionamento e, após o casamento, a conversa começou a acontecer.
Em algum momento passamos para a fase do “se vier, veio”. Não foi um plano objetivo, foi acontecendo.
Eu tinha muito medo, especialmente em relação à grana. Me lembro do meu pai falar que “a criança traz o pão”, como metáfora para falar que não se sabe como mas o dinheiro aparece. Brinquei na época com ele que se não viesse Deus era testemunha que ele seria meu fiador.
Me vinham pensamentos para me encorajar como: “bilhões de pessoas já foram pais, eu vou conseguir também. Se não der certo financeiramente podemos ir para escola pública, ou ir morar na roça ou no interior”.
Por acaso - ou não - eu recebi uma proposta de emprego na maternidade. Até hoje tem dado certo!
O teste positivo foi a primeira materialização da paternidade. Mas era um pedaço de plástico com uma cruz azul, aquilo ainda não era algo que promovesse mudanças.
A gravidez e a barriga crescendo, além das ultrassonografias, foram começando a dar forma ao que seria. Eu conversava com a barriga mas era super estranho e forçado, como se tentasse estabelecer uma amizade com um estranho no meio da rua.
A escolha do nome era algo bem etéreo, muitas opções. Como dar um nome a um ser humano?
Houve os eventos. Chá de bebe, chá de revelação, as conversas e expectativas, a escolha do nome e definição do sexo. Ele já tinha nome: Theo.
Eu não tinha crianças por perto e nem fazia ideia do que viria.
Participei de um treinamento para pais com o super Rodrigo Vianna, melhor médico obstetra que esse planeta já viu! Aquilo foi super importante para aprender sobre o parto. Acompanhava também assuntos de maternidade pela Julia e conversamos muito sobre isso.
Até que, literalmente do dia para a noite, a bolsa estourou 6 da manhã. No sábado fomos a duas festas, acordamos 13h da tarde e dormimos bem. No domingo desde as 6 da manhã em trabalho de parto e à noite o Theo já dormia conosco no quarto.
No sábado na barriga, no domingo fora dela.
O trabalho de parto durou mais de 12h. Daí em diante foram dias que pareciam semanas. Terminou, pesa a criança, tem que cuidar da mãe também, ver se está tudo bem, avisar às pessoas, cortar o cordão, aprender a segurar no colo. As pessoas vão embora e a noite veio, enfermeiras, tentativas de amamentação, olhadas no berço para ver se está respirando. Troca a fralda, aprende a segurar os pés, cuida do umbigo, dá o primeiro banho.
Até aí eu era pai no papel, mas não tinha ainda o passaporte completo carimbado.
Semanas e meses se passaram.
Eu já cuidava do Theo. Tínhamos uma relação. Mas, no fundo, eu ainda vivia como antes — tentando encaixar meu antigo eu numa nova vida.
Mesmo depois de uma rotina exaustiva de cuidados e pouco sono, eu insistia em sentar no sofá às 21h e ligar a Netflix para relaxar. Mas isso era um remédio que só piorava no longo prazo, pois ia dormir lá para 23h e o Theo continuava acordando para mamar e trocar fralda, despertando às 5h da manhã.
Era um ciclo de feedback vicioso:
Isso acontecia com várias tentativas de lazer pessoal, jantar a dois, exercícios físicos, leitura.
Todo incômodo é um sinal para mudança, e ela só pode vir de dentro, mesmo que estimulada por fora.
Em algum momento, como expliquei no texto “O dia em que a ficha caiu”1, entendi que não só a vida tinha mudado, eu precisava aceitar isso e assumir essa nova identidade.
Foi nesse dia, após muitos meses de tentativas frustradas de ser pai sendo quem eu sempre fui, que eu passei então, a viver essa nova identidade.
Não é mais o filho e o cansaço entrando na minha vida, cheia de lazer e afazeres.
Agora a ordem é inversa. Minha vida é essa e o lazer, o exercício e leitura que buscaram formas de se encaixar.
Desde então está mais leve, mais divertido, estou mais em paz.
Portanto, muda muita coisa. Começa devagar e de forma abstrata, vai ficando mais tangível até que nasce e a vida muda completamente. Muita coisa vindo de fora, mas por dentro ainda talvez a mesma coisa.
Com a certidão de nascimento eu fui pai no papel.
Quando eu aceitei a chegada, não do meu filho, mas da minha nova identidade e vida, ai sim mudou, para melhor.
Se você está vivendo essa transição, saiba: não é só seu filho que está nascendo. Você também está. E tudo começa quando você aceita. Ao menos para mim foi assim.
Um abraço!
Pedro.
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